quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Comerciantes vendem cachimbo a usuários de crack por até R$ 16, revela estudo

Pesquisadora que conviveu por dois anos com usuários da droga mostra relação de dependência também com instrumento que permite usar o entorpecente

AFP
Na falta do cachimbo, dependentes passam a compartilhá-lo, aumentando as transmissões de doenças como herpes e hepatite
Canos de PVC, pedaços de bambu, antenas de rádio, haste de guarda-chuva, porcas de parafuso, isqueiro. Com esse material se faz um recipiente que, acoplado a uma base, já pode receber uma pedra de crack. Apelidados com nomes próprios, como Catarina e Bóris, esses cachimbos são tão disputados nos becos das cracolândias que definem até a hierarquia entre os dependentes.
A reflexão sobre a relação dos usuários de crack com seus cachimbos ganhou um espaço na tese de doutorado da antropóloga da Unicamp Taniele Rui, que por dois anos acompanhou de perto a rotina desses dependentes nas cracolândias de São Paulo e Campinas.
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“Quando estendia a mão para cumprimentá-los, ouvia de volta o pedido de desculpas por estarem sujas. Um tanto inconscientemente, comecei a ir a campo com roupas desgastadas e calçando tênis velhos, passei a não lavar os cabelos nos dias de pesquisa, não soltá-los, não utilizar adereços (como brincos ou colares) e não passar perfume”, relembra.
Frâncio de Holanda
Apelidados com nomes próprios, como Catarina e Bóris, esses cachimbos são tão disputados nos becos das cracolândias que definem até a hierarquia entre os dependentes
Embora o material para a confecção dos cachimbos pareça farto, nem sempre ele está disponível e é preciso tempo e condições adequadas para fabricá-lo. “Quando o cenário não possibilita fazer esses objetos, o cachimbo se torna mercadoria”, diz a pesquisadora em sua tese. É aí que a prática ganha contornos ainda mais tensos.
“Na região da cracolândia de São Paulo, cachimbos são fabricados e vendidos por comerciantes do local”, escreve. “Dependendo do material utilizado, o valor pode chegar a até R$ 16.”
A pesquisadora diz que quando os dependentes falavam com ela e entre si, os vendedores eram identificados "com clareza". "Mas, no momento da interação, tudo se passa de forma bastante lateral, obscura e um tanto quanto cifrada. O que é importante observar não é só o que se diz, mas também aquilo que não é dito no que tange ao envolvimento com a venda de substâncias ilegais, assim como sobre as possíveis intrigas entre os envolvidos nesse comércio."
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Os cachimbos também são vendidos por outros usuários ou por traficantes de drogas “que fazem a venda casada da pedra com o cachimbo”, descreve a pesquisadora no estudo.
Polícia
Alvo também da polícia, os cachimbos, quando apreendidos, trazem outro problema, segundo Taniele. Sem o objeto ou dinheiro para comprar um, os dependentes passam a compartilhá-lo, aumentando as transmissões de doenças como herpes ou as hepatites B e C, comprometendo o trabalho dos agentes de saúde que se empenham na Redução de Danos.
Esses profissionais distribuem manteiga de cacau para hidratar as feridas labiais e piteiras de silicone para fixar ao cachimbo. Para que as queimaduras e contaminação diminuam, eles recomendam o abandono de latas para a inalação do crack.
"Para falar daquilo que move e toca as pessoas, nem sempre é preciso ficar escarafunchando suas histórias de vida. Às vezes, é só olhar, com bastante seriedade e respeito, para as relações que elas estabelecem com outras pessoas, com substâncias, com corpos, com sensações, com objetos, com instituições, com ideias e com espaços", conclui a autora.
370 mil dependentes
Segundo pesquisa da Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad), 370 mil brasileiros são usuários regulares de crack, 14% dos quais, menores de idade. O Nordeste concentra 40% dos dependentes, seguido pelo Sudeste (30,5%), Centro-Oeste (13,8%), Sul (10%) e Norte (8,9%).

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