O governo brasileiro irá investigar a suspeita de circunvenção nas importações de partes e componentes de calçados procedentes da China, bem como de calçados originárias do Vietnã e da Indonésia. A decisão, tomada pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), foi publicada no Diário Oficial da União de ontem.
A circunvenção é uma prática desleal de comércio em que se procura burlar a aplicação de uma medida de defesa comercial em vigor. No caso específico, o Brasil aplica desde o ano passado direito antidumping contra a China, cobrando US$ 13,85 por par de calçado importado daquele país. A suspeita que será apurada pelo governo é a de que esteja ocorrendo importação de partes e componentes de calçados chineses (solados e cabedais) para que os produtos sejam apenas montados no Brasil. Também será investigada a possibilidade dessa montagem estar sendo feita na Indonésia e no Vietnã para depois ser realizada a venda de calçados inteiros desses dois países para o Brasil.
Com a decisão publicada, a importação desses produtos saiu do licenciamento automático, de forma a permitir o monitoramento dos fluxos de importação. Com isso, a Secex ganha o prazo de até 60 dias para conceder a licença de importação. Se a investigação, agora, concluir que a mudança na montagem dos calçados foi feita para evitar o pagamento da sobretaxa aplicada sobre calçados chineses, a legislação brasileira prevê a extensão da medida antidumping tanto para os calçados inteiros importados da Indonésia e do Vietnã como para as partes e componentes importados da China.
A Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) aponta que esta decisão vem ao encontro dos sucessivos pedidos da entidade para que o governo investigue a entrada de calçados de países não tradicionais exportadores, como o Vietnã e Indonésia. "A fraude é evidente em vários aspectos, mas em um apresenta-se de modo flagrante: em 2010 as estatísticas oficiais da China registram a exportação de 13 mil toneladas de calçados para o Brasil, mas as estatísticas brasileiras apontam o ingresso de apenas 3,2 mil toneladas de calçados de origem chinesa", declara Milton Cardoso, presidente da Abicalçados. "Ou seja, 29 milhões de pares mudaram de nacionalidade nos porões dos navios pelas mãos entrelaçadas dos importadores e dos exportadores".
Para Cardoso, é absolutamente necessária a investigação para que as fraudes nas importações sejam combatidas de forma imediata, para evitar uma nova onda de demissões no setor neste final de ano. Somente entre maio e julho deste ano houve a perda de 1.404 vagas, contra a criação de 9,5 mil vagas nos mesmos meses de 2010.
Segundo levantamento da Abicalçados apresentado para a Camex, as importações brasileiras de cabedais da China, cresceram 193,8% de 2009 (ano de aplicação da medida preliminar) para 2010 (ano de aplicação da medida definitiva). Em valor, este aumento foi de 402,6%, indicando o aumento do preço médio de exportação para o Brasil.
Já as importações brasileiras solas de calçados de borracha ou de plásticos vindas da China, contabilizadas em quilograma líquido, cresceram 436,3%, de 2009 para 2010. Este aumento foi equivalente a 279,2% em valor FOB para o mesmo período. Além disso, as compras nacionais de outras solas e outros produtos chineses aumentaram 171,9%, equivalendo a 114% em valor FOB.
De acordo com a Abicalçados, a elevação expressiva das importações brasileiras de componentes para fabricação de calçados indica que a aplicação do direito antidumping pode ter induzido a importação desses produtos como forma de elisão da medida em vigor contra calçados importados da China. Segundo a circular publicada pelo Mdic, há indicações de que o custo com matéria-prima importada da China para a montagem no Brasil dos calçados sujeitos à medida antidumping representa mais de 60% do custo com materiais. Interessados em acompanhar o processo têm até 20 dias, a contar da publicação da circular, para solicitar habilitação e indicar os representantes legais.
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