sábado, 24 de setembro de 2011
Indo à ONU, palestinos evitam negociar, diz diplomata israelense
Com um olho em Nova York, onde é realizada a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), e outro em cada centímetro da sinuosa fronteira com a Cisjordânia, onde a tensão cresce. É assim que Israel passa as horas. E sem poder piscar. Através do presidente Mahmoud Abbas, os palestinos buscam o reconhecimento internacional do Estado independente e soberano - com as fronteiras de 1967 e Jerusalém Oriental como capital, além de uma cadeira como membro-pleno da entidade.
A cartada palestina é resultado, entre outros fatores, da estagnação das negociações por quase um ano. Por isso, a estratégia adotada neste período foi de pedir, com certo êxito, reconhecimento individual a vários países. E o que passa na cabeça dos insones israelenses? Paul Hirschson, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, contou para um grupo de jornalistas brasileiros em Jerusalém as expectativas de seu país.
"Ir às Nações Unidas é uma maneira de evitar a negociação. Por que eles querem evitar negociação? Porque eles sabem que negociar significaria que eles não teriam tudo o que querem. E que teriam um resultado muito pior negociando do que poderão ter sem negociar", acusa Hirschson, sul-africano de origem e que foi o primeiro de quatro gerações de sua família a deixar o país de nascimento para imigrar.
"Existem dois pontos fundamentais. Primeiramente, os dois lados precisam entender, internalizar e não necessariamente gostar que: 'não vamos ter tudo que queremos'. Não precisa falar isso para os Palestinos, precisamos dizer isso para nós mesmos. Assim como eles não precisam dizer para nós, precisam dizer para eles mesmos. Poucas pessoas no mundo diriam que Israel não sabe disso. Sabemos que não vamos ter tudo o que queremos. Por outro lado, diria que os Palestinos, nem todos eles, alguns deles também sabem. Mas, coletivamente e a maioria deles não faz isso", discursa o diplomata.
"O segundo elemento é que os dois lados precisam ter certeza de que há capacidade de se chegar a um acordo. Israel já demonstrou isso muitas e muitas vezes. Temos a habilidade de tomar decisões. Acho que os próprios palestinos seriam os últimos hoje a sustentar que eles têm essa habilidade. E esse é o real problema. Quando se vê as posições de Hamas e Fatah não podemos nem começar a pensar em negociação", completa.
Fatah é o partido político fundado por Yasser Arafat, ex-presidente da Palestina. Hamas é o movimento fundamentalista islâmico palestino mais importante, que possui um braço armado, e venceu as últimas eleições palestinas em 2006 - desde então não foram realizadas novas eleições. Os partidos discordam com relação às possibilidades de negociar com Israel. O primeiro aceita as fronteiras anteriores à guerra de 1967, enquanto o segundo, que representa a ala radical, quer Israel fora do Oriente Médio.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel usa o exemplo de o Hamas dominar territórios palestinos para desqualificar a tentativa de legitimação da Organização da Libertação da Palestina (OLP) na ONU. "Legalmente não vão conseguir nada, politicamente sim. Existem vários critérios para se reconhecer um Estado, um deles é de que o Estado tem que ter o monopólio da força. E os palestinos não têm o monopólio da violência. Eles não controlam a Faixa de Gaza".
Mas seria justo cobrar dos palestinos unidade política, organização social e desenvolvimento econômico sendo que nem mesmo são reconhecidos como um Estado legítimo? "É o dilema do ovo e da galinha. Quem veio primeiro? Poderíamos sair amanhã de manhã de toda a Faixa de Gaza. Mas garanto que, se sairmos, as coisas não vão ficar bem", diz Hirschson, que acusa os palestinos de fazerem jogo duplo. Segundo ele, existe um discurso oficial público e outro com microfones desligados.
"Abbas diz que Israel impede o desenvolvimento mantendo a Palestina sob seu controle. Mas é o bloqueio que está os mantendo vivos. A portas fechadas, se disséssemos que concordamos em liberar as fronteiras, ele diria que estamos loucos de fazer isso. Essa é uma das contradições da vida real. Precisamos crescer, estamos cansados disso. Não venha me dizer uma coisa em público e outra em particular", acusa o diplomata.
Quando indagado o que Israel gostaria que os palestinos abrissem mão em uma suposta negociação, Hirschson mal deixa a pergunta terminar e dispara a repetir que "eles não querem negociar". Diante da insistência... "Quero saber se eles aceitam o fato de que estamos aqui por direito e que vamos ficar aqui. E que o conflito acabou. Queremos o fim das reivindicações. É preciso reconhecer que Israel é Estado do povo judeu", responde.
E, por outro lado, o que Israel estaria disposto a ceder nesse "faz de conta" de mediação de um acordo? "Abrir mão de 100% da Faixa de Gaza, o que já fazemos. Abrir mão de algo entre 95 e 100% da Cisjordânia, que é de onde viemos, que é o que somos. Por quê? Porque nós entendemos que não somente nós temos direitos. Já Jerusalém é nosso conceito, não uma cidade, que nós mostramos para o mundo há muito tempo", prega.
A questão dos assentamentos
Os israelenses têm a confortável e segura postura de dizer que "legalmente os palestinos não vão conseguir nada" nessa empreitada na ONU, principalmente por contarem com um aliado histórico no conflito. Os Estados Unidos, como membro-permanente do Conselho de Segurança da entidade, já avisou que vai exercer seu poder de veto. Para ser aprovada, uma resolução precisaria não ser barrada por quem pode fazê-lo e ainda conseguir nove votos dos 15 integrantes do Conselho.
O que não quer dizer que num futuro os palestino não conquistem o que desejam. Seja por pressão política internacional, por retomada de negociações, por sucesso do uso de força em uma guerra - por mais difícil que se possa imaginar isso hoje diante do poderio bélico israelense -, ou qualquer outro meio. Neste caso, como ficariam os cerca de meio milhão de judeus que vivem em assentamentos judeus dentro da Cisjordânia?
Israel Harel, fundador de um dos mais antigos assentamentos e que carrega no próprio nome o orgulho do país de seus irmãos judeus, fala com os olhos marejados sobre a possibilidade. "Aprendemos lições por nossa história, pela história do nosso povo. Todo judeu, em qualquer lugar que esteja no mundo, tem o sentimento de que nada é permanente", diz, em tom profético.
O assentamento de Ofra foi fundado em 1975, com 16 famílias. Hoje são 650. No começo tentaram montar indústrias, mas não deu certo. Os moradores atualmente são na maioria profissionais autônomos. Segundo Harel, nunca houve um crime ou assassinato sequer - no máximo alguma transgressão juvenil. "Nós não trancamos casas e carros", fala com orgulho.
"Vivemos num subúrbio. Mas não é um típico de grandes cidades. Se você está aqui é por questões ideológicas, não porque é mais barato para se viver. Os gastos com segurança são maiores, o que deixa o custo de vida mais caro do que a média do país. No começo havia subsidio do governo para mudarem para cá, mas começou a ser cortado gradativamente 16 anos atrás", relata Harel.
Ofra é uma "sociedade fechada". Quem quiser se juntar ao assentamento não pode simplesmente comprar uma casa "porque alguém pode não conseguir manter o padrão e trazer problemas a longo prazo". Por isso existe um comitê que analisa o pedido de entrada, a estadia no primeiro ano de teste e depois faz mais uma avaliação para aprovar a permanência definitiva.
"Nós ficamos aqui porque achamos que é nosso direito e, mais do que isso, nossa obrigação. Fixamos raízes profundas aqui, é como se fosse uma árvore. Sobre o futuro, posso dizer meus desejos. Se quisermos ficar, teremos que ser palestinos... Quantos de nós ficaríamos? Suspeito que poucos", avisa Harel.
"Os palestinos se tratam de maneira muito diferente do que fazemos. Eu não ficaria sob as leis palestinas. Se fossem as leis brasileiras ou de algum país europeu eu ficaria. Eu gostaria de ficar, ajudei a criar isso aqui. Investi 35 anos da minha vida, com muito sofrimento e sentimento genuíno. Mas não acho sinceramente que haja reciprocidade, afinal não aceitam nem mesmo que tenhamos o direito de estar aqui no Oriente Médio", explica, sem esconder a emoção no olhar.
Vivendo em meio ao conflito entre israelenses e palestinos, Harel resume seus pensamentos em uma frase longe de ser pautada pela fé. "Não acredito no futuro. Não é que sou pessimista. Sou realista".
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