Tudo está pronto para uma intervenção militar na Líbia e o cessar-fogo imediato declarado pelo governante líbio Muamar Kadafi será examinado neste sábado, em uma cúpula “decisiva”, disse o ministro das Relações Exteriores da França, Alain Juppé. “Nós estamos prontos”, disse Juppé aos jornalistas, após ter conversado com o primeiro-ministro François Fillon, informa a agência France Presse.
anja niedringhaus/ap/aeRebeldes líbios comemoram nas ruas de Benghazi anúncio de cessar- fogo no país feito pelo presidente Muamar Kadafi após decisão do Conselho de Segurança da ONURebeldes líbios comemoram nas ruas de Benghazi anúncio de cessar- fogo no país feito pelo presidente Muamar Kadafi após decisão do Conselho de Segurança da ONU
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, confirmou em breve pronunciamento que fez sobre a Líbia, antes de viajar ao Brasil, que a secretária de Estado, Hillary Clinton, representará os EUA em Paris. “Neste esforço, os EUA estão preparados para agir como parte de uma coalizão internacional. A liderança americana é essencial, mas não significa que agiremos sozinhos”, disse Obama.
“O encontro, que juntará vários países europeus, os americanos, os países árabes e africanos, será o momento, mais do que todos, para analisar os recentes comunicados do regime de Kadafi sobre o cessar-fogo e tirar as conclusões”, disse Juppé. “Repito, tudo está pronto. Não quero dar a vocês mais um prazo”, disse o chanceler francês. Além de representantes dos países europeus, árabes e africanos, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, participará da cúpula em Paris. O presidente francês Nicolas Sarkozy será o anfitrião do encontro. Na noite de quinta-feira, o Conselho de Segurança da ONU autorizou ações militares na Líbia para que Kadafi pare de atacar civis.
Mais cedo, Kadafi declarou um cessar-fogo imediato, mas insurgentes na cidade de Misurata afirmam que estão sob ataque das forças do governante. Misurata é a última cidade controlada pela insurgência no oeste da Líbia. “A Líbia precisa respeitar o cessar-fogo em todo o seu território, não apenas em Benghazi”, disse Juppé. “Também acreditamos que a Líbia precisar cumprir todas as resoluções do CS. Vamos discutir amanhã esse ponto com europeus, americanos, árabes e africanos”.
Ação Militar
O presidente dos EUA, Barack Obama, descartou a possibilidade de o país enviar tropas terrestres à Líbia, mas ressaltou que os norte-americanos não vão “ficar de braços cruzados” se as forças leais ao governante líbio, Muamar Kadafi, continuarem a reprimir as forças rebeldes com violência. “Os EUA não vão ficar de braços cruzados diante de ações que minem a paz e a segurança mundiais”, disse Obama durante um breve discurso na Casa Branca. Segundo ele, as ações contra o regime de Kadafi são necessárias e os norte-americanos, junto com os parceiros internacionais, vão ajudar a garantir o cumprimento do cessar-fogo. “Esse é o motivo pelo qual isso é importante para nós: sem supervisão, temos todos os motivos para crer que Kadafi cometerá atrocidades contra seu povo, milhares podem morrer, uma crise humanitária aconteceria e a região inteira poderia se desestabilizar”, afirmou Obama.
Ele disse que o uso da força será empregado apenas para proteger os civis da Líbia. “Nosso objetivo tem um foco, nossa causa é justa e nossa coalizão é forte.”
EUA reiteram exigência para saída de Kadafi
Washington (AE) - A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, reiterou ontem a exigência dos Estados Unidos para que o líder líbio Muamar Kadafi deixe o poder e disse que as declarações de cessar-fogo de Trípoli serão julgadas pelas “ações” e não por palavras. “Esta é uma situação instável e dinâmica. Nós não seremos suscetíveis ou ficaremos impressionados com palavras. Teremos de ver ações”, disse Hillary aos jornalistas. “Vamos continuar a trabalhar com nossos parceiros e com a comunidade internacional para pressionar Kadafi a sair e apoiar as legítimas aspirações do povo líbio”, afirmou ela.
Segundo Hillary, o próximo passo para acalmar o levante na Líbia é a “operacionalização”, pelos Estados Unidos e pela comunidade internacional, da resolução do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que pede uma ação militar para encerrar os combates no país. Não está claro que ações, exatamente, serão tomadas. No Departamento de Estado, Hillary disse que não está claro qual será o final dos acontecimentos na Líbia.
O ministro de Relações Exteriores da Líbia disse ontem que o país vai cumprir a resolução da ONU, implementando um imediato cessar-fogo e encerrar todas as operações militares contra forças rebeldes.
Hillarey disse que ter lido matérias nos meios de comunicação sobre o cessar-fogo, mas que será preciso uma avaliação do que realmente acontece na Líbia. O governo de Barack Obama advertiu os partidários de Kadafi que a comunidade internacional está observando o que acontece no país e que eles serão responsabilizados por suas ações.
Cidade foi atacada, dizem insurgentes
Londres (AE) - Insurgentes líbios afirmaram ontem que apesar de o governante Muamar Kadafi ter decretado cessar-fogo imediato, as tropas do governo atacaram a cidade de Misurata e pelo menos 12 pessoas, incluindo quatro soldados de Kadafi, foram mortas. Os insurgentes em Misurata afirmam que as tropas de Kadafi iniciaram o assalto contra a cidade à 8h, informa o Wall Street Journal. “Agora estão acontecendo batalhas nas ruas dentro da cidade”, disse um insurgente. Segundo ele, francoatiradores leais a Kadafi estão em telhados na Rua Tripoli, na periferia oeste de Misurata. Um médico em um complexo de clínicas transformadas em hospital afirma que pelo menos 12 pessoas foram mortas nesta sexta-feira.
Testemunhas em Misurata disseram à rede Al Jazeera, do Catar, que pelo menos 25 pessoas foram mortas ontem em Misurata. Abdulbasid Muzairik, um morador da cidade, disse à Al Jazeera que as tropas de tropas de Kadafi bombardeiam o centro de Misurata. “O cessar-fogo não está vigorando. Ele (Kadafi) continua a atirar e a matar as pessoas na cidade.”
Opinião
Negligenciar será pior Guilherme Stolle Paixão - Prof. Relações Internacionais
“Cada Estado tem a responsabilidade de proteger suas populações de genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade”. Este é o pilar fundamental da norma Responsabilidade de Proteger, acordada pelos países-membros das Nações Unidas em 2005. Caso as autoridades de um Estado falhem na provisão de parâmetros mínimos de segurança aos seus cidadãos, a comunidade internacional assume o dever de proteger populações que sejam objeto de atrocidades em massa. Tal tarefa sempre deve se dar por meios pacíficos em primeiro lugar, mas uma ação concertada de caráter militar pode ser empreendida, devidamente autorizada pelo Conselho de Segurança da ONU (CSNU), caso a ajuda humanitária mostre-se inadequada.
À luz desta norma universal, devemos refletir sobre a crise humanitária que observamos na Líbia. Ela se distancia dos episódios correlatos da Tunísia e do Egito por duas razões. Primeiro, não há qualquer indício de que o coronel Kadafi, há quatro décadas no poder, abrirá mão do seu cargo. Palavras como ‘transição’ ou ‘negociação’ simplesmente inexistem no vocabulário da crise líbia. O ditador chegou a afirmar, em pronunciamento à TV estatal, que “morrerá como um mártir” e utilizará a violência contra aqueles que queiram destruir a unidade do país.
Em segundo lugar, Kadafi parece querer conferir um novo sentido à ideia de “repressão violenta” a manifestações populares. No lugar de cassetetes, bombardeios aéreos: os atos bárbaros do governos chegaram a um nível de desproporção dignos dos mais ferozes autocratas do século XX, com a diferença de que, em plena era das mídias sociais, a opinião pública mundial recebe essas informações em tempo real.
Considerada a gravidade da situação, a pergunta, agora, é como a comunidade internacional pode agir. O CSNU aprovou, por unanimidade, um pacote de sanções em fins de fevereiro – incluindo embargo de armas e congelamento de recursos financeiros – como forma de minimizar a repressão aos opositores do regime. O resultado não tem sido satisfatório, e o confronto entre rebeldes e governo já é praticamente uma guerra civil. Além disso, o ditador já sobreviveu a embargos semelhantes no final da década de 1980, quando o governo líbio foi acusado de patrocinar um atentado terrorista num voo da PanAm sobre a Escócia.
Autoridades francesas e britânicas têm defendido a instauração de uma zona de exclusão aérea (no-fly zone) na região costeira e mais povoada do país. Embora seja uma solução paliativa, já que grande parte da repressão é feita por mercenários em terra, ela pode evitar mais episódios como aqueles que chocaram a comunidade internacional, em que civis são abertamente bombardeados por caças do governo. É natural que a decisão de uma zona de exclusão, para ser legítima, seja aprovada pelo Conselho de Segurança, conte com apoio regional (notadamente a União Africana e a Liga Árabe) e não represente a intenção de um país ou de um grupo específico, como ocorreu na malfadada invasão do Iraque em 2003.
Aprovar uma zona de exclusão no âmbito do Conselho de Segurança não é simples. Hoje, a proposta encontra resistência expressa de China e Rússia – a primeira, por defender incondicionalmente a soberania líbia (e, por extensão, impedir que qualquer crítica seja tecida acerca dos próprios métodos chineses de repressão social); a segunda, por querer evitar um precedente no âmbito multilateral que poderá colocar em risco as ações russas em zonas geopoliticamente sensíveis, como a Chechênia ou a Geórgia. Até mesmo os Estados Unidos relutam em propor ações mais duras contra Kadafi, sob pena de serem – mais uma vez – denunciados como a potência imperialista contra os árabes, incitando uma onda de violência contra os EUA que o governo Obama se esforça para evitar.
Na medida em que o estabelecimento de uma zona de exclusão – que, no limite, não deixa de ser um ato de guerra – passa a ser amplamente referendada, refletindo a percepção da comunidade internacional de que a situação de violência na Líbia transformou-se numa calamidade humanitária, é mais fácil demover algumas potências de sua posição relutante e abrir caminho para uma ação concertada, legítima e eficaz. O mundo já pagou o preço da negligência, por exemplo, em Kosovo e em Ruanda. Ignorar o que ocorre na Líbia não me parece, portanto, uma alternativa.
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